O crescimento humano ocorre ao longo de várias etapas: bebé, infância, pré-escolar, escolar, adolescente, jovem adulto, meia idade e finalmente sénior num processo complexo com ganhos e perdas e que depende não só de fatores biológicos mas também de fatores ambientais e contextuais.
Como fatores ambientais não podemos esquecer que somos um produto cultural e sentimos o peso das expectativas sociais para desempenhar determinados papéis que a sociedade determina para as diferentes etapas do caminho, temos ainda de juntar a esta equação os fatores ligados aos momentos históricos que atravessamos: crises económicas, recessões, epidemias, guerras e fluxos migratórios… que afetam diretamente a sociedade e os movimentos políticos, sociais e económicos que em muito determinam a nossa vida e as nossas possíveis escolhas. Sem esquecer ainda dos “acontecimentos significativos de vida” como um fim de uma relação a morte de uma pessoa próxima, a perda de emprego, uma doença…. com impacto na forma como vamos moldando a nossa personalidade.
Ao longo do nosso ciclo de vida somos assim confrontados com várias crises muitas delas constituem marcos responsáveis pela forma como transitamos de uma fase para a seguinte. Desta forma, conseguimos classificar e compartimentar o que vai acontecendo como se as coisas se passassem com data e hora marcadas e com a ilusão de que em cada fase dispomos das ferramentas internas necessárias para lidar com sucesso perante os esperados desafios. Mas não é simples e muitas vezes nada fácil. Por exemplo, dizemos que a entrada no mundo adulto ocorre entre os 22 e os 28 anos mas mesmo num leque de 6 anos, há quem inicie mais cedo e há quem o faça mais tarde.
Um adolescente, em teoria, torna-se jovem adulto quando evidencia competências para experimentar a intimidade, em termos de afiliação e amor. O objetivo será ter uma relação a longo prazo e constituir família, o que implica uma carreira profissional, um assumir de responsabilidades e autonomia financeira. Este é o grande desafio dos jovens adultos. Se os desafios são uma alavanca para o crescimento com potenciais ganhos como um aumento da responsabilidade, maior reconhecimento, maior autonomia, podem constituir também uma importante fonte de ameaça. Corre-se, no entanto, o risco de não se conseguir lidar com o desafio e tender para o isolamento. A falta de emprego, um diminuto suporte familiar, as amizades que se diluem no tempo fragilizam a auto-estima. Aqui não se ganha, são as perdas que predominam. Os amigos que conseguiram ultrapassar o desafio da afiliação, têm agora outras responsabilidades, outros focos de interesse, parece que deixamos de caber na história deles. Aliás todos mostram as suas fantásticas histórias nas redes sociais como o Instagram. Os danos serão tudo aquilo que já “sabemos” que vai acabar por acontecer não tarda nada, a desesperança ou a desilusão de um futuro que se idealizou pautado por sentido de enraizamento ou uma vida com significado. Instalam-se emoções como o medo, a ansiedade, a impotência, a injustiça ou a revolta.
Não é de estranhar que muitos jovens adultos tragam para a consulta de psicologia problemas que no fundo estão relacionados com o sentido da vida.
Numa altura em que somos dominados pela tecnologia, que tudo acontece a grande velocidade e a felicidade se confunde com consumismo pode não ser nada fácil sentir que não se faz parte deste mundo, que estamos deslocados porque não estamos integrados nestas movimentações: sem emprego, ou sem um ordenado que permita a autonomia, sem uma rede de suporte social verdadeiramente ativa e próxima, podemos questionar o que somos e o quanto valemos caindo na angústia existencial de qual o sentido da vida.
Tendemos a acreditar que a nossa vida tem sentido quando percebemos continuidade nas nossas ações, quando nos orientamos por objetivos significativos de forma focada e motivada e quando sentimos que a nossa existência é importante para os outros. O sentido da vida depende, pois, de dois fatores: relações significativas e uma ocupação que nos realize, que pode ser uma carreira profissional, um hobbie ou algo de criativo que nos ocupe.
Durante as crises (perda de emprego, perda de relações, a própria noção de mortalidade…) é que nos vemos confrontados com a necessidade de reavaliar qual é o nosso propósito. Perante este cenário podemos reavaliar um acontecimento de forma a que ele encaixe o melhor possível nas nossas crenças e objetivos originais ou podemos rever as nossas crenças e objetivos para acomodar a nova informação – processo que pode levar muito tempo e nem sempre bem sucedido.
Estes períodos de agitação podem despoletar crises existências que podem dar azo a importantes oportunidades de crescimento. Estas são oportunidades de nos libertarmos do que nos faz mal – padrões de comportamento ou hábitos tóxicos – e explorar quem realmente somos e o que realmente importa para nós.
O consequente sofrimento mental é um sinal de adaptação do cérebro e portanto universal. É suposto ter uma duração curta no tempo, não ser grave e que não compromete significativamente o funcionamento da pessoa que responde bem ao suporte habitual e atividades de vida positivas. Para tal, é fundamental não colocar o sentido da vida nos prémios e progressões de carreira, ter o protótipo de família feliz e uma casa ideal ou um carro específico ou o topo de gama dos telemóveis. O sentido da vida está em todo lado, nas mais simples ações, como sair com amigos ou com a família, levar o cão a passear, ajudar as pessoas que nos rodeiam… Apreciar e estar grato pelas coisas mais banais pode promover o sentimento de pertença e de sentido de vida. Aceitar que é normal ter saudades dos tempos de juventude, dos amigos que seguiram outros rumos e é normal perceber com “amargo de boca” que o mundo não é o que nós pensávamos que era, que as desilusões fazem parte da vida, que não se vai fazer tudo quanto se imaginou e que os planos anteriormente delineados podem sofrer uma reviravolta.
Aceitar que a vida é dinâmica, tudo muda e o próprio desenvolvimento humano gere-se em função de processos de mudança pode trazer a serenidade de que toda a tormenta passa e que o sol nasce de novo.
Artigo por: Cláudia Gandra